Um dos motivos pelos quais sempre me senti afortunada foi por ter uma imaginação fértil. Sei que se trabalha, e que quanto mais se lê, maior é a probabilidade de conseguirmos sair da nossa vida, e muitas vezes do nosso próprio corpo, para entrarmos em tantas outras vidas e sermos outras pessoas, mas acredito que, por algum motivo, já nasci assim. Lembro-me de andar na escola primária e de a minha professora, a querida professora Teresa, dizer aos meus pais que eu tinha uma imaginação dos diabos: podia ter passado o fim de semana inteiro em casa, mas na segunda-feira contava convictamente aos meus colegas a minha recente ida ao Jardim Zoológico, a forma carinhosa como os macacos se tinham aproximado de mim ou como me assustei quando vi um leão a rugir. Talvez na altura tenha dito que eu tinha era queda para mentirosa, mas a minha memória prefere embelezar esta história para não me fazer questionar dos valores que os meus pais me incutiram.
Sempre li muito, e ainda hoje em
dia o faço. Quando estou em períodos de criação, ou porque estou a escrever um
livro, ou porque me encontro a refletir sobre o tema de um próximo, opto por
livros técnicos ou simplesmente sem qualquer relação com qualquer coisa que
possa vir a escrever. Já basta tudo aquilo que retiro das minhas influências
quando escrevo passados meses de as ler, não convém, consciente ou
inconscientemente, assemelhar-me em demasia à história que eventualmente
poderia, através delas, estar a viver.
Uma das coisas que acredito que
vamos perdendo com a idade é o poder de imaginar. A nossa vida torna-se mais
séria, mais rígida e, por força das responsabilidades, mais rotineira, e por
isso sobra-nos pouco tempo para estarmos simplesmente parados a imaginar, até
porque esse superpoder, de estarmos num sítio e de irmos para o outro, quando
se chega à idade adulta, parece que nos obriga a estar constantemente a definir
objetivos e metas… A acrescentar a isto, há muito boa gente, claro está, que
não tem especial prazer de imaginar coisas: ou porque o acha inútil, ou pelo
facto de simplesmente não retirarem nada de proveitoso de se colocarem noutra
pele ou na mesma mas noutro Mundo.
Mas não é o meu caso. E, como
estou a crescer, e mais depressa chego aos trinta do que regresso aos dez, penso
muito sobre isto de imaginar. Sobre como influenciou a minha infância e a minha
adolescência, sobre como me permite tantas vezes quebrar o tédio e rir-me às
gargalhadas, de como torna um sem fim de situações em momentos mais
impactantes, divertidos e, também por vezes, profundamente mais tristes. Dou
por mim, com mais frequência do que provavelmente quem me rodeia pensa, a
imaginar “e se agora alguém dissesse que nunca viu azul no céu?”. Como é que eu
reagiria? Aí, como devem estar a prever, imagino a minha resposta. Se estiver
num dia especialmente imaginativa, vejo-nos quase à pancada, eu convicta de que
habitualmente o céu está azul, ele, raivoso, com o facto de eu não saber como o
céu está pintado.
E sabe-me excecionalmente bem!
Imaginar, pensar para além da minha vida, das pessoas com que me cruzo, das
histórias que conheço. Olho pela janela da sala da minha casa e no silêncio
tento ouvir vozes que têm sonhos, pessoas que se abraçam de forma ternurenta
porque se reencontraram passados anos, um chefe antigo que me liga a dizer que
eu era um pequeno génio. Rio-me, concentro-me em não perder a linha do meu
raciocínio e vou pensando em novas personagens.
Todos o fazíamos em crianças.
Porque é que abandonamos hábitos que nos faziam viajar na altura das nossas
vidas em que mais trabalhamos?
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