quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

O superpoder de imaginar

             Um dos motivos pelos quais sempre me senti afortunada foi por ter uma imaginação fértil. Sei que se trabalha, e que quanto mais se lê, maior é a probabilidade de conseguirmos sair da nossa vida, e muitas vezes do nosso próprio corpo, para entrarmos em tantas outras vidas e sermos outras pessoas, mas acredito que, por algum motivo, já nasci assim. Lembro-me de andar na escola primária e de a minha professora, a querida professora Teresa, dizer aos meus pais que eu tinha uma imaginação dos diabos: podia ter passado o fim de semana inteiro em casa, mas na segunda-feira contava convictamente aos meus colegas a minha recente ida ao Jardim Zoológico, a forma carinhosa como os macacos se tinham aproximado de mim ou como me assustei quando vi um leão a rugir. Talvez na altura tenha dito que eu tinha era queda para mentirosa, mas a minha memória prefere embelezar esta história para não me fazer questionar dos valores que os meus pais me incutiram.

               Sempre li muito, e ainda hoje em dia o faço. Quando estou em períodos de criação, ou porque estou a escrever um livro, ou porque me encontro a refletir sobre o tema de um próximo, opto por livros técnicos ou simplesmente sem qualquer relação com qualquer coisa que possa vir a escrever. Já basta tudo aquilo que retiro das minhas influências quando escrevo passados meses de as ler, não convém, consciente ou inconscientemente, assemelhar-me em demasia à história que eventualmente poderia, através delas, estar a viver.

               Uma das coisas que acredito que vamos perdendo com a idade é o poder de imaginar. A nossa vida torna-se mais séria, mais rígida e, por força das responsabilidades, mais rotineira, e por isso sobra-nos pouco tempo para estarmos simplesmente parados a imaginar, até porque esse superpoder, de estarmos num sítio e de irmos para o outro, quando se chega à idade adulta, parece que nos obriga a estar constantemente a definir objetivos e metas… A acrescentar a isto, há muito boa gente, claro está, que não tem especial prazer de imaginar coisas: ou porque o acha inútil, ou pelo facto de simplesmente não retirarem nada de proveitoso de se colocarem noutra pele ou na mesma mas noutro Mundo.

               Mas não é o meu caso. E, como estou a crescer, e mais depressa chego aos trinta do que regresso aos dez, penso muito sobre isto de imaginar. Sobre como influenciou a minha infância e a minha adolescência, sobre como me permite tantas vezes quebrar o tédio e rir-me às gargalhadas, de como torna um sem fim de situações em momentos mais impactantes, divertidos e, também por vezes, profundamente mais tristes. Dou por mim, com mais frequência do que provavelmente quem me rodeia pensa, a imaginar “e se agora alguém dissesse que nunca viu azul no céu?”. Como é que eu reagiria? Aí, como devem estar a prever, imagino a minha resposta. Se estiver num dia especialmente imaginativa, vejo-nos quase à pancada, eu convicta de que habitualmente o céu está azul, ele, raivoso, com o facto de eu não saber como o céu está pintado.

               E sabe-me excecionalmente bem! Imaginar, pensar para além da minha vida, das pessoas com que me cruzo, das histórias que conheço. Olho pela janela da sala da minha casa e no silêncio tento ouvir vozes que têm sonhos, pessoas que se abraçam de forma ternurenta porque se reencontraram passados anos, um chefe antigo que me liga a dizer que eu era um pequeno génio. Rio-me, concentro-me em não perder a linha do meu raciocínio e vou pensando em novas personagens.

               Todos o fazíamos em crianças. Porque é que abandonamos hábitos que nos faziam viajar na altura das nossas vidas em que mais trabalhamos?  

Sem comentários:

Enviar um comentário