terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Mesa de Natal

Nos primeiros cinco anos da minha vida fomos seis. Depois veio mais um, e aí eu tive a certeza de que o número sete representava a perfeição, pois não cabia mais ninguém naquela mesa, e a conversa era tanta e tão boa que um oitavo membro poderia estragar a sinfonia delicada e bonita que havíamos construído com amor e uma dose de paciência.

Nos anos seguintes, e até eu perfazer as minhas dezasseis primaveras, vivemos os sete, sentados à mesa, sentados no chão ao pé da árvore e do amor em forma de embrulho, ouvintes um dos outros e tantas vezes espetadores dos dramas que cada um criava. Nem sempre reinou a paz ou a ordem, mas a empatia e a admiração que nutrimos uns pelos outros nunca abandonou aquele rés-do-chão que nos acolhe ainda hoje.

Criámos tradições e fizemos uma promessa: o Natal que estávamos a viver era sempre melhor do que o anterior! Tornou-se obrigatório referi-lo (os meus avós mais do que qualquer um de nós), e por isso grande parte da noite da consoada era passada a dizer que "aquele Natal é que era", e a elogiar os presentes que tínhamos cuidadosamente escolhido oferecer uns aos outros. Segundo o meu avô, estamos em clara ascensão: já não oferecemos coisas desnecessárias ou supérfluas, e isso, para quem poupou a vida toda e não é fã do consumismo desenfreado, é uma vitória assinalável!

Durante mais de dez anos, foi assim. Os sete à mesa, a celebrar o Natal, a comer o bacalhau com as batatas regadas em azeite, a convencer a minha avó de que nada poderia estar melhor e a explicar à minha irmã (umas vezes mais pacientemente do que outras) que só deveríamos abrir os presentes depois das doze baladas. Os meus pais beijavam-se com a fugacidade de quem ainda não conhece na perfeição o sabor dos lábios um do outro e entre cantorias e abraços vivíamos aquela noite sem conhecermos o seu fim.

Um dia, e sem que nenhum de nós o esperasse, ficámos seis. Não foi no Natal, mas não nos deu tempo suficiente para o assimilarmos até lá. Não sei de quanto tempo precisaríamos, e talvez hoje, depois de sete Natais em que somos seis, possamos finalmente admitir que não era uma questão de tempo. Afinal, sete era o número da perfeição à mesa, mas nada fica mais perfeito por passarem sete anos.

Desde aí só somos seis. Por um lado estamos mais confortáveis (porque a mesa ainda é a mesma), mas eu sei que todos nós preferíamos estar apertadinhos. Temos todos os outros dias do ano para nos sentarmos com a distância que nos aprouver, e no Natal faz frio e apetece-nos mais do que em qualquer outra altura do ano estarmos perto daqueles que amamos.

Aos poucos, vamos retirando o "só" da equação, e dizemos orgulhosamente que somos seis. Recuperámos a alegria da mesa com a comida que vai sobrar, as nódoas do bom vinho tinto na toalha e as gargalhadas de quatro gerações diferentes, que lá vão contando as suas manhas e conquistas, tantas vezes admiráveis e tantas outras apenas surpreendentes, porque dois de nós têm mais de oitenta e outras duas menos de vinte e cinco anos.

Os meus avós deliciam-se com as histórias que eu e a minha irmã contamos, e eu aproveito esta criatividade que Deus me deu para inventar tantas outras que os façam rir e imaginar um Mundo que não tiveram oportunidade de conhecer. A minha mãe e o meu tio também dão o seu melhor, e entre o marisco de entrada e os sonhos de sobremesa, vão acrescentando um ou outro pormenor.

Este ano ainda somos seis. Tenho vinte e quatro anos, e nos últimos meses vários dos meus amigos perderam os seus avós. Faz parte da vida, e até eles dizem, num tom leve e sereno, que "já são muitos anos".

Sei que um dia seremos cinco, e talvez no ano seguinte apenas quatro. Depois voltaremos a ser cinco ou seis, e quiçá daqui a uns anos seremos mais de dez sentados à mesa e no chão, ao pé da árvore, naquele ou noutro rés-do-chão ou quinto andar.

A vida corre. A mesa pode ser sempre a mesma, mas nem sempre lá estaremos todos. Sentados, fisicamente. Mesmo que o número de pessoas se mantenha, é provável que haja alterações: ninguém substitui ninguém, mas quem chega vai ocupando os lugares vagos. Os que já partiram também lá estão, mas ao invés de ocuparem uma cadeira, preenchem-nos o coração e alma, deixando espaço para aqueles que, entretanto, integraram a família.

Talvez a magia dessa noite passe por aproveitá-la com a serenidade de quem sabe que o sete da perfeição não regressará, mas que existem outros números igualmente bonitos. 


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