Uma das coisas mais difíceis da vida será, certamente, ser satisfeito (e eventualmente pensar nisso e não sentir culpa). Olhar para o que nos rodeia e ficarmos contentes. Observarmos o meio em que nos encontrarmos e pensarmos que nada mudaríamos ali, nem acolá. Há momentos de contemplação que quase se assemelham a essa paz que todos tentamos esticar ao máximo: o final de uma tarde de praia em que o sol teima em demorar-se, o gole numa cerveja gelada numa esplanada completa de amigos, uma música que sabemos de cor cantada no carro aos berros com as janelas abertas. São aqueles momentos em que a única coisa que os estraga é o facto de sabermos que vão acabar, porque se vivêssemos só o presente, e conseguíssemos concentrarmo-nos apenas e só nele, estaríamos a saboreá-los como nunca.
Há quem repita, incessantemente, que um
dos truques para se viver feliz é ser-se insatisfeito. Que faz parte do
processo de superação pessoal e profissional, o procurar outras coisas, o
querer chegar a outros sítios, o estar constantemente a pugnar pela mudança e
pela evolução. Ser insatisfeito é aquele defeito que facilmente se lança numa
entrevista de emprego, não tão ridículo como, provavelmente, dizermos que a
nossa maior falha é sermos demasiado perfecionistas, mas talvez igualmente
preocupante se partilhado com um psicólogo.
Apelidam quem não se conforma de
corajoso, e se estamos bem com o que nos rodeia não estaremos, com toda a
certeza, a ver tudo o que nos rodeia, porque nada está no seu lugar, e há
tantas causas, tantas injustiças, tantas coisas que são como são mas deviam ser
de outra forma, que quem está bem como está, não devia estar bem com quem é.
Parece-me cansativo. Sinto-me cansada.
Às vezes só gostava de estar bem como estou, ainda que isso pudesse significar,
para os outros, menos ambição, menos presença, menos garra. Não só pelos
outros, mas também por mim: quem me dera conseguir ser mais agradecida. E menos
insatisfeita. Desejava que o meu privilégio me fizesse apenas sentir privilegiada,
e não com responsabilidade acrescida: acerca de mim, perante os outros. Que
paradoxo este, de quem se queixa por ver o Mundo, quando sente FOMO por não ser
convidada para uma festa.
Na verdade (e trata-se apenas da
minha verdade, isto é, da perceção que tenho das coisas – tal como a opinião –
é sempre nossa, daí não ser preciso dizer-se “na minha opinião pessoal”),
cada vez que se fala em felicidade pura imagino alguém que está no topo de uma
montanha, rodeado apenas de quinze ou vinte pessoas, mais perto do sol do que
eu, que não conhece a pobreza, mas também não faz ideia do que é ter posses;
que não ambiciona sair dali, mas também não conhece outro lugar; que tem fé,
ainda que não se prenda demasiado a pensar sobre ela. É não conhecer o Mundo ao
ponto de não saber que ele existe. Não ter objetivos impostos pela sociedade
(que não rejeito, quero muito ser parte!), não ter medos, qual criança que
mergulha sem saber nadar, não ter sonhos (ou tê-los e serem mais simples do que
os nossos). Parece mais leve, mais bonito.
Não me interpretem mal: padeço do
mesmo mal, sempre insatisfeita e descontente, mas escrevo o que me vai na alma,
ainda que quem comande este ser seja uma cabeça que não dorme de tanto pensar.
Só sinto que às vezes é bom parar e tentar ser só feliz, ainda que nem tudo
esteja em ordem. Não é um apelo à mediocridade, nem à apatia, é só que o Mundo
nos vai engolindo com tantas desigualdades, com tantos problemas, com tantas
coisas que precisam de mudar, que às vezes parece que estar bem, ou querer
ficar-se apenas um pouco onde se está, a ser apenas o que se é, nos traz um
sentimento de culpa, quiçá polvilhado com uma dose de ignorância e absurdez,
que cria em mim um desejo (louco e provavelmente agora hipster) de ir
para o campo e começar uma horta.
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