sábado, 8 de setembro de 2018

Sair de cena

Li há uns dias, algures neste Mundo cibernético em que todos nós viajamos, que é preciso saber sair de cena. Na altura, tal era a velocidade com que o meu dedo puxava a informação para baixo, esta frase passou por mim com a mesma rapidez com que a maioria das coisas nos passam pelos olhos.  Mas, mais tarde, quiçá entre a insónia e o despertar tardio da manhã seguinte, dei por mim a pensar acerca disto.
Todos nós ambicionamos, mais do que ter coisas na vida, ser coisas na vida. Ter um emprego que nos traga estabilidade económica, que nos traga realização pessoal, e, tantas vezes, que nos traga reconhecimento. Faz parte de viver, esta coisa, tantas vezes ingrata, de querer que alguém, independentemente do lugar que ocupe na hierarquia em que nos encontramos, ou na sociedade da qual fazemos parte, nos elogie, reconheça, parabenize. E enquanto em determinadas profissões, diria menos criativas ou liberais, não há alturas certas para sair de cena, existem outras em que a pausa tem tanto mérito como a permanência.
Se sou fotógrafo há dez anos e, de repente, o único sítio onde estou é uma garagem sem luz, porque deverei eu continuar a fotografar todos os dias? Quem quererá ver exposições consecutivas de paredes pintadas com aquele branco, que outrora não era sujo, ou da caixa de ferramentas espalhada no chão, ao pé de todas as coisas que para lá vamos arrumando, porque já não gostamos o suficiente delas para as termos na sala, mas também não as desprezamos ao ponto de as pormos no lixo?
E se eu for pintor e, de repente, não souber mais o que retratar nos meus quadros? Devo continuar a pintar só porque ainda tenho baldes de tintas coloridas, mesmo que veja tudo em tons de sépia?
Eu percebo o medo adjacente às pausas. As pessoas podem esquecer-nos, os nossos feitos podem perder importância, as pessoas com quem inevitavelmente competíamos ganham espaço, notoriedade. Aos poucos, param de perguntar por nós, substituem-nos, descobrem pessoas que fazem aquilo que nós fazíamos melhor que nós. E isso tudo pesa no momento em que optamos por parar: é um misto de receios e vontade de ser livre, de acreditar que respirar nos revigora e de medo que o sufoco de ver tudo a avançar sem nós se torne insuportável.
Eu decidi parar. E estive parada o tempo suficiente para perceber que tomei a decisão correta. Não tinha nada para escrever, para além de uma vontade desmedida de ser escritora. E isso não chega. É preciso continuar a ler muito, é preciso viver coisas novas, conhecer pessoas novas, sentir coisas novas. É preciso não ter horas para fazer tudo, é preciso ter tempo para não fazer absolutamente nada. Estava a escrever por presunção, pela pressão constante de ter de dizer algo. Não é assim que se escreve, não é assim que eu quero escrever. Eu não tinha nada para dizer, e por isso retirei-me. Retirei-me para viver, para ter coisas para contar, para me conhecer, porque isto de escrever às vezes confunde-nos, as personagens entranham-se e a vida real e a literária perturbam-se e frustam-se mutuamente. Agora estou pronta para começar de novo.
Agora estou livre, as minhas asas estão abertas e que bonita é a sensação de agarrar uma caneta e sentir o meu espírito a desenhar-se entre as linhas, e entrelinhas vou dizendo aquilo que não digo em voz alta.
As pausas são boas. Transformam-nos, limpam-nos a alma, mostram-nos a nossa pequenez, e confrontam-nos com a realidade: ninguém é inesquecível. Se querermos ter sucesso, temos de trabalhar. Mas se queremos viver, também temos de saber parar.

2 comentários:

  1. Já dizia Saramago: "não tem o direito de continuar a escrever se não tem nada para dizer" :)

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  2. Adoro esta garota... escreve que não consigo parar de ler, ler.. Continua minha linda

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