quarta-feira, 7 de março de 2018

Dias maus


                A vida tem dias em que nos prega partidas, em que nos põe à prova, em que nos mostra que nada está garantido e que, por vezes, a nossa pequenez será tão maior que nós que, por mais que tentemos superá-la, ela absorver-nos-á como se de uma onda gigante se tratasse. Nessas vezes, que tanto nos custam, decerto teremos quem nos diga que nos faz bem, que nos faz crescer, que nos torna pessoas melhores, com um olhar mais cru, e, portanto, mais real, daquilo que o Mundo é. Os nossos ouvidos, nessas vezes, serão surdos, independentemente dos nossos lábios desenharem palavras de compreensão e acatamento, e, por mais que queiramos encarar as derrotas, como encaramos as vitórias, a verdade é que ninguém procura as primeiras e, por isso, também não aguarda ansiosamente por recebê-las.
                A vida tem dias em que nos faz sentir sozinhos, por mais que as pessoas nos rodeiem, toquem, e façam sentir-se presentes. Há uma diferença muito grande entre estarem ao nosso lado, no mesmo espaço que nós, e connosco, disponíveis para os dias em que não estamos bem-humorados, em que queremos partilhar silêncio, em que não precisamos de nenhum plano para nos entreter, e em que nos contentamos com um copo de vinho vazio, esperando ser preenchido por nós… Como nós esperamos que alguém, ou algo, nos preencha.
                A nossa tristeza, por mais visível que seja, é nossa, e, quanto menos a virem, mais profundamente nos doerá. Ninguém gosta de viver na melancolia, naquela corda que não é firme entre estarmos a sorrir sem vontade, e a chorar sem motivos, mas a verdade é que, às vezes, nos habituamos. Os nossos lençóis são quentes, e lá fora chove… Se ficarmos em casa, recolhidos nos nossos pensamentos, provavelmente lembrar-nos-emos das razões pelas quais não saímos ontem, e que, por arrasto, nos farão ficar hoje.
                Eu sei que é complicado. Ter tudo delineado, projetar o futuro, dizer em voz alta que conseguiremos, que nada fugirá daquilo que tem de ser. E depois, às vezes, não é. Simplesmente não é como queríamos, não é como tínhamos imaginado, não é aquilo para que tínhamos trabalhado. E custa, claro que custa, todos nós ambicionamos coisas, lugares, experiências. Todos nós queremos ter recordações inesquecíveis, memórias inacreditáveis. E quando aqui é inverno, há um lugar qualquer no outro lado do Mundo em que o Sol radia, e isso frustra-nos, porque não gostamos de frio, porque parece que aqui o tempo não melhora. E isso adapta-se ao que sentimos, muitas vezes, em relação a tantas outras coisas… Parece que os outros chegaram primeiro, que conseguiram com menos esforço, que tiveram sorte. Às vezes estamos tão embrenhados nas nossas mágoas, nos nossos anseios, que caímos no ridículo de acreditar que somos os mais infelizes, aqueles a quem o azar não arreda pé, aqueles cujo destino não parece, em algum momento, cruzar-se com qualquer um dos objetivos que traçámos.
                É difícil, nestes dias, não desanimar. E é difícil, por vezes, não sentir inveja, não sentir que é injusto, não nos interrogarmos do porquê de não nos ter calhado a nós, de termos sido preteridos por outrem. É difícil, mas não é impossível de superar: é tão mais possível, e célere, quanto maiores formos. Porque dificuldades todos temos: dias assim, como estes que descrevo, em que tudo nos corre mal, são constantes na vida. Obstáculos farão, com toda a certeza, parte do caminho de todos nós. E aquilo que nos caracteriza, e que nos distingue dos outros, não são as peripécias que vivemos, não são os motivos que nos abalam, não são as lágrimas que nos molham a cara. Aquilo que nos caracteriza será sempre a forma como superamos as peripécias, como recuperamos dos abalos, como, caso sejamos mulheres, retocamos o rímel após as lágrimas.
                É normal que todos tenhamos, em alguma altura da nossa jornada, pedido, entre dentes, para não ter dias maus. Faz parte da natureza de ser humano não querer passar por coisas que o possam magoar, fazer sentir coisas como o desespero, a raiva, a solidão. No entanto, é inevitável. Só não sofre quem não vive, e quem não vive também já não tem dias bons, daqueles em que tudo nos corre de feição, e em que acreditamos que os maus não se repetirão.

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