A vida tem dias em que nos prega
partidas, em que nos põe à prova, em que nos mostra que nada está garantido e
que, por vezes, a nossa pequenez será tão maior que nós que, por mais que
tentemos superá-la, ela absorver-nos-á como se de uma onda gigante se tratasse.
Nessas vezes, que tanto nos custam, decerto teremos quem nos diga que nos faz
bem, que nos faz crescer, que nos torna pessoas melhores, com um olhar mais
cru, e, portanto, mais real, daquilo que o Mundo é. Os nossos ouvidos, nessas
vezes, serão surdos, independentemente dos nossos lábios desenharem palavras de
compreensão e acatamento, e, por mais que queiramos encarar as derrotas, como
encaramos as vitórias, a verdade é que ninguém procura as primeiras e, por
isso, também não aguarda ansiosamente por recebê-las.
A vida tem dias em que nos faz
sentir sozinhos, por mais que as pessoas nos rodeiem, toquem, e façam sentir-se
presentes. Há uma diferença muito grande entre estarem ao nosso lado, no mesmo
espaço que nós, e connosco, disponíveis para os dias em que não estamos bem-humorados,
em que queremos partilhar silêncio, em que não precisamos de nenhum plano para
nos entreter, e em que nos contentamos com um copo de vinho vazio, esperando
ser preenchido por nós… Como nós esperamos que alguém, ou algo, nos preencha.
A nossa tristeza, por mais visível
que seja, é nossa, e, quanto menos a virem, mais profundamente nos doerá. Ninguém
gosta de viver na melancolia, naquela corda que não é firme entre estarmos a
sorrir sem vontade, e a chorar sem motivos, mas a verdade é que, às vezes, nos
habituamos. Os nossos lençóis são quentes, e lá fora chove… Se ficarmos em
casa, recolhidos nos nossos pensamentos, provavelmente lembrar-nos-emos das razões
pelas quais não saímos ontem, e que, por arrasto, nos farão ficar hoje.
Eu sei que é complicado. Ter
tudo delineado, projetar o futuro, dizer em voz alta que conseguiremos, que
nada fugirá daquilo que tem de ser. E depois, às vezes, não é. Simplesmente não
é como queríamos, não é como tínhamos imaginado, não é aquilo para que tínhamos
trabalhado. E custa, claro que custa, todos nós ambicionamos coisas, lugares,
experiências. Todos nós queremos ter recordações inesquecíveis, memórias
inacreditáveis. E quando aqui é inverno, há um lugar qualquer no outro lado do
Mundo em que o Sol radia, e isso frustra-nos, porque não gostamos de frio,
porque parece que aqui o tempo não melhora. E isso adapta-se ao que sentimos,
muitas vezes, em relação a tantas outras coisas… Parece que os outros chegaram
primeiro, que conseguiram com menos esforço, que tiveram sorte. Às vezes
estamos tão embrenhados nas nossas mágoas, nos nossos anseios, que caímos no ridículo
de acreditar que somos os mais infelizes, aqueles a quem o azar não arreda pé,
aqueles cujo destino não parece, em algum momento, cruzar-se com qualquer um
dos objetivos que traçámos.
É difícil, nestes dias, não
desanimar. E é difícil, por vezes, não sentir inveja, não sentir que é injusto,
não nos interrogarmos do porquê de não nos ter calhado a nós, de termos sido
preteridos por outrem. É difícil, mas não é impossível de superar: é tão mais
possível, e célere, quanto maiores formos. Porque dificuldades todos temos:
dias assim, como estes que descrevo, em que tudo nos corre mal, são constantes
na vida. Obstáculos farão, com toda a certeza, parte do caminho de todos nós. E
aquilo que nos caracteriza, e que nos distingue dos outros, não são as peripécias
que vivemos, não são os motivos que nos abalam, não são as lágrimas que nos
molham a cara. Aquilo que nos caracteriza será sempre a forma como superamos as
peripécias, como recuperamos dos abalos, como, caso sejamos mulheres, retocamos
o rímel após as lágrimas.
É normal que todos tenhamos, em
alguma altura da nossa jornada, pedido, entre dentes, para não ter dias maus.
Faz parte da natureza de ser humano não querer passar por coisas que o possam
magoar, fazer sentir coisas como o desespero, a raiva, a solidão. No entanto, é
inevitável. Só não sofre quem não vive, e quem não vive também já não tem dias
bons, daqueles em que tudo nos corre de feição, e em que acreditamos que os
maus não se repetirão.
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