Quando somos pequenos acreditamos que, um dia, teremos o Mundo aos
nossos pés. É uma sensação fantástica aquela de acreditar que nunca é tarde de
mais, e que ainda não chegou a nossa vez, "mas que está para chegar".
Acreditamos que os dias maus são só para os outros e que os acidentes e as
doenças são "coisas dos nossos primos muitos afastados". O tempo vai
passando e, durante muitos anos, nós somos sonhos, apenas sonhos. Vivemos um
dia de cada vez não com medo do dia seguinte, mas porque queremos aproveitar
tudo ao máximo, sem pressas, na esperança garrida de que haverá sempre mais um
dia, e que, para nós, o tempo é infindável. As tristezas são sol de pouca dura,
e a chuva é fantástica porque rega o quintal dos nossos avós. Não vemos
noticiários, e quando vemos não percebemos, mas "lá em casa vemos cada vez
menos porque os meus pais dizem que são só desgraças". Não percebemos,
aliás, muitas das vezes achamos que os adultos só podem ser disparatados,
porque o Mundo não é nada como eles dizem! Avisam-nos para termos cuidado,
pedem-nos para olharmos para os dois lados quando atravessamos a estrada, mas a
verdade é que nós acreditamos que os carros vão parar e, se a bola que o João
chutou vai para o meio da estrada, corremos sem medo para a apanhar, antes que
a mãe dele ralhe por a bola se ter furado! Somos tão inocentes, tão felizes. A
ignorância faz de nós donos do Mundo. Uma ignorância tão boa, tão saudável. Faz
parte de nós ser assim. Ser sonhos, ser feitos de sonhos. Querer chegar à Lua
como quem vai à padaria do Tio Zé e acreditar que vamos ser médicos e
cabeleireiros e, quem sabe, jogadores profissionais de ténis de mesa.
Ambicionamos tantas profissões, ter uma vida tão ocupada, com tanto trabalho,
que nem nos lembramos que, caso conseguíssemos ser tudo aquilo que dizemos
querer ser, mal teríamos tempo de nos sentarmos no sofá a ver os desenhos
animados que tanto gostamos! Não obstante, adultos, escusam de nos dizer, quando
somos crianças, que não podemos ser quatro profissões ao mesmo tempo: não
queremos saber, simplesmente queremos ser!, e, quando se é criança, isso é o
suficiente. Os nossos pais choram quando alguém parte e nós não percebemos o
porquê de tantas lágrimas porque na catequese dizem-nos que "os melhores
vão para o céu primeiro". Os nossos pais ralham-nos quando não estudamos
ou quando tiramos más notas e nós ficamos realmente magoados, porque só nós
sabemos o que estudámos (mesmo que tenha sido pouco, podíamos ter feito mil
coisas mais interessantes quando pegámos nos livros!) e, para além disso, não
precisamos de matemática para ser polícias!
Temos tantos sonhos. Somos feitos deles, e
de ilusões, e de histórias que impreterivelmente vamos escrevendo e nas quais
fazemos ilustrações lindíssimas e cheias de cor, "tal e qual o Mundo
é".
Aos poucos, como quem sobe pela primeira
vez as escadas íngremes do palácio da Princesa Diana, vamos apercebendo-nos de
algumas coisas e algumas delas, ai!, "quem nos dera nunca perceber!".
Vamos perdendo muitas das ilusões que nos enchiam o coração de esperança e
quando, ao jantar, os nossos pais insistem em pôr o noticiário, começamos a
compreender o que os jornalistas dizem, com aquelas vozes ensaiadas e verdades
escondidas. Na catequese, obrigam-nos, muitas vezes, a acreditar em coisas que
não nos explicam e a Beatriz, que sempre foi mais adulta que nós, está a dizer
que "não acredita no que não vê". Na escola disseram-me que não posso
ser duas coisas ao mesmo tempo e que se neste país já conseguir ser uma devo
dar-me por sortuda. Quando tiro uma má nota já não é preciso os meus pais me
ralharem: fico mais tristes que eles, afinal, é o meu futuro que está em jogo!
Tudo conta. Temos de nos aplicar. De lidar com pessoas de quem não gostamos e
que, muitas das vezes, não nos respeitam, mas a nossa mãe diz-nos que, apesar
disso, temos de as respeitar. Amamos como se não houvesse amanhã mas agora já
ninguém nos pede em casamento como quando éramos crianças: o amor é assim mais
leve, menos intenso... "um dia de cada vez". Não por querer viver
tudo, mas por ter medo do futuro. Ao contrário de quando éramos crianças.
Um dia olhamos para trás e rimo-nos de nós
próprios. Como é que é possível termos acreditado que o Mundo era assim?! Como
é que é possível termos querido ser tantas coisas e pior, como é que achávamos
que íamos conseguir concretizar todos os nossos sonhos? Onde tínhamos a cabeça
quando achávamos que os nossos avós nunca seriam velhos de mais para partir, ou
que os acidentes não existiam e que, por isso, nunca teríamos que chorar como
os nossos pais?
Eu sei onde tínhamos a cabeça. Tínhamos a
cabeça nos sonhos! Quem me dera nunca ter deixado de ser feita deles.
Amei o post, acho que escreves muito bem! Concordo contigo :)
ResponderEliminarSegui! (: