Pai,
Hoje é o teu dia de anos. Tal
como sempre fiz, escrever-te-ei uma carta, visto que sei que é algo que sempre
gostaste de ler. É o teu primeiro aniversário que não passaremos juntos desde
que eu nasci e não sabes o quanto isso me está a afetar. Passaram-se pouco mais
de quatro meses desde a tua partida: há dias em que parece que se passaram anos,
outros onde sinto que ainda foi ontem que te despediste com um “até já,
meninas”. A vida não foi muito boa contigo, pois não?
Espero que nos estejas sempre a
ver do Céu, aliás, tento acreditar nisso todos os dias, caso contrário
ser-me-ia impossível viver. Imaginar que podes não estar aqui, nem em lado
nenhum… Sinto-me demasiado perdida e despida para tal. Se nos vês, como
acredito, sabes que não tem sido muito fácil: há alturas do dia em que nem
sequer tenho vontade de abrir os olhos, sinto que se os tivesse fechado
contigo, ou por ti, estava tudo tão melhor, fazes tanta falta… Outras,
felizmente, já vou conseguindo viver sem ti, apesar da dor que me causa pensar
nisso e na celeridade com que tivemos que voltar a falar, a andar, a ir para a
escola, a viver efetivamente sem ti.
Quando faleceste achei que o
Mundo tinha acabado, e não conseguia ver qualquer saída para tudo isto, mas
agora sei, e em muito se deve à mulher fantástica que cá deixaste para nos
criar, que temos que continuar, que temos que seguir em frente… Tal como a mãe
diz, temos que fazer tudo aquilo que sabemos que tu gostarias, tudo aquilo que tivermos a certeza que te vai orgulhar, mesmo que não seja o mais fácil
para nós.
Amamos-te muito, pai. A tua
partida fez-nos crescer imenso, mais do que todas nós queríamos crescer. Eu,
para ser sincera, ainda não acredito que morreste. Estou sempre a pensar que se
enganaram a identificar o teu corpo, e que daqui a uns tempos regressarás vivo,
com aquele sorriso tão só teu, e que dará em todos os noticiários o erro da
polícia, e do médico, e o milagre que foi tu estares bem… Como me parece
estúpido quando o escrevo mas tão bom e plausível quando o penso antes de adormecer.
Tu não vais voltar, pois não?
Merda. Eu sei que não gostavas
que dissesse asneiras, mas neste momento só me apetece gritar: merda, merda,
merda. Temos tantas saudades tuas. Fazes tanta falta… A vida sem ti perdeu
tanta cor, tanta coisa. Não estava preparada para te dizer adeus com dezasseis
anos. Aliás, não estava preparada para te dizer adeus nunca. Tínhamos uma
relação tão especial, lembras-te? Amava-te e ainda te amo de todo o coração. Meu
melhor amigo, meu mais que tudo, meu pai. Não percebo por que razão Deus te
tinha que levar agora, e não imaginas como é para mim confuso visitar-te todas
as semanas no cemitério e falar contigo a olhar para terra, e ver bichinhos, e
formigas a passarem por entre os ramos de flores e a tua fotografia mal tratada
pela chuva. Porquê a nós?!
Tenho que te pedir desculpa mais
uma vez por todo o sofrimento que te causei enquanto eras vivo: por todas as
vezes em que me portei mal, por todas as vezes em que não correspondi às
expetativas altíssimas que tinhas para mim… Se soubesse que ias embora tão
cedo, tinha mostrado tão mais o amor que sempre nutri por ti. E a admiração… E
tudo. Tinha e tenho tanto orgulho em ti, pai. Sempre disse a todos os meus
amigos que te amava muito, e que eras o melhor treinador do Mundo, e o melhor
pai também. Ver que as pessoas te amavam tanto, e que também elas choraram a
tua morte, só me faz ter a certeza de que tinha motivos para me gabar de ti.
A nossa vida mudou muito. Sei que
nos estás a ver, mas quero contar-te uma coisa: a Carolina e eu tivemos muito boas notas na
escola, melhores que no segundo período, até! E a Carolina já consegue tocar
algumas músicas na guitarra que lhe ofereceram no Natal, e eu estou a escrever
outro livro, pai.
A mãe agora vai andar a pé às
vezes. Lembras-te como a tentavas convencer a sair do sofá e a fazer desporto?
Agora a mãe faz!
Fomos passar uns dias a Sesimbra,
a um hotel que a mãe encontrou na net, e a mãe deixou-nos estar os três dias
inteiros na piscina, mas claro que não entrou, também não exageremos! Agora
estamos no Algarve ainda, e vamos cá passar o teu dia de anos, por isso quem te
leva esta carta é um amigo de confiança… Tenho muita pena de não estar aí.
Tinha pensado que poderia ficar à sombra a ler para ti ou simplesmente a
contar-te as novidades, mas só vamos embora amanhã.
Desde que morreste que me tornei
uma menina muito triste. Às vezes choro muito alto, mas a maioria delas choro
para dentro, faço-me de forte porque não gosto que os outros vejam as minhas
fraquezas, sempre fui assim, tu sabes. Sinto um vazio enorme no coração, como
se uma parte de mim tivesse também ela falecido e partido contigo. E sabes o
que é o pior? É que sempre que me lembro de ti lembro-me do quanto tinhas sonhos
para nós, e do quanto nos prometeste que íamos fazer tantas coisas que a vida
não deixou. O Quintal da Carolina, o
meu segundo livro… Precisamos tanto de ti.
Antes de partires disseste que
não sabias o que ia ser das tuas filhas, contou-nos uma senhora que ouviu as
tuas últimas palavras. Obrigada pai, obrigada. É tão bom no meio de tudo isto
saber que não te esqueceste de nós. Estamos vivas, pai, e não te preocupes
agora, descansa em paz, que estamos bem. A viver para ti, e por ti, para te
orgulhar.
Protege-me sempre, pai, mesmo
quando os anos passarem. Nunca te esqueças do quanto te amo e da quantidade de
vezes que olho para o céu sempre que saio de casa à noite e o afinco com que
procuro a maior estrela. Onde quer que estejas, espero que estejas a ler esta carta
e a lembrar-te das coisas boas que eu e a mana e a mãe te demos, e das férias,
e das prendas, e das brincadeiras.
Este ano eu e a Carolina não te
vamos fazer nenhum teatro, nem uma dança ou uma música como era habitual, mas
vamos tentar estar bem, porque a mãe disse que essa era a melhor prenda que te
podíamos dar neste dia tão especial. Sei que já não estavas há muitos anos com
os teus pais no teu aniversário, e que isso também te magoava muito, por isso
olha, pai, aproveita. Dá um beijinho muito grande aos avós, e a todos aqueles
que partiram e que eram teus amigos ou da nossa família. Não sei como é aí no
Céu, e se vais celebrar o teu aniversário, mas nós aqui vamos.
Muitos parabéns, papá. Amo-te
muito, nunca te vamos esquecer, nem vamos esquecer este dia que sempre foi tão
bom. Um beijinho do tamanho do Mundo e obrigada pelos melhores anos da minha
vida. Vou continuar a escrever-te e a pôr coisas no blog como sempre mandaste.
Amamos-te muito! Foste um ser humano incrível, como poucos existiram. Aquilo
que nos deixaste a nível material em nada se compara ao tesouro que escondeste
em cada um dos nossos corações e que jamais poderemos agradecer. Espero
continuar a orgulhar-te e a ser motivo daquele teu olhar emocionado que via
sempre que fazia alguma coisa bem, por mais pequena que fosse. Por detrás da
tua voz, voz que nunca esquecerei, que tantos diziam ser assustadora de tão
grossa, estava e sempre estará um homem com o maior H do Mundo, porque nunca
conheci ninguém com um coração tão puro, tão fácil de perdoar.
Dizem que Deus leva primeiro os
melhores para junto de si. Tenho a certeza de que te escolheu porque também ele
reconheceu como eras bom. Para nós foi injusto, e dói muito, mas se calhar aí é
um lugar tão bom, tão calmo. Descansa em paz, pai. Descansa em paz porque se há
alguém que merece tranquilidade e sossego esse alguém és tu, que tanto em vida
fizeste pelos outros.
O Kiko ainda é vivo, e desde que
partiste sempre que alguém se aproxima de nossa casa não pára de ladrar como se
fosse um cão enorme. Ensinaste-o bem. Obrigada por tudo, tem um dia muito
feliz, meu querido pai.
O amor que sinto por ti é
inexplicável e nunca desaparecerá. Por mais anos que passem nunca, mas mesmo
nunca, duvides disso. Serei sempre a tua menina.
16-08-2014
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