Querida mãe,
Hoje completas
mais uma Primavera, daquelas em que o Sol nunca desaparece e faz desabrochar
as flores mais bonitas do jardim. Continuas linda como eras quando,
em pequena, usavas duas grandes tranças e tocavas piano. Hoje em dia ainda te recordas
das cifras da "Noite Feliz" e, apesar de isso não ser importante,
tens de admitir que te deixa feliz a memória não te atraiçoar!
Cresceste no
seio de uma família que, acima de tudo, te amava mais do que tudo aquilo que há
para amar, e onde reinava o sonho que pudesses chegar, com o teu irmão, mais
longe ainda do que aquilo que ambicionavam para vocês próprios. Foste
para a Universidade e, com o mesmo brio com que fizeste o teu curso,
ingressaste no mercado de trabalho. Fizeste-te mulher, e, com uma saia
pelo joelho, que jamais hoje usarias, foste para aquele que continua a
ser o teu local de trabalho, há mais de vinte anos. É
engraçado como, ainda hoje, as tuas amigas recordam a tua vivacidade e
vontade de fazer mais, algo que, por mais anos que passem, jamais perderás.
Muitas coisas
aconteceram ao longo destes anos, abraçaste muitos projetos e viste-te obrigada
a ceder perante outros que, apesar de terem detido por algum tempo a tua
atenção, não eram, realmente, aquilo que querias encabeçar. Ensinaste, e
continuas a ensinar, e não há quem tenha sido teu aluno que não saiba, hoje em
dia, as proposições, nem que seja pela obrigatoriedade de criarem um rap em que as mesmas constem. De
tudo aquilo que recordas hoje com mais saudade e felicidade, num misto de dor e
agradecimento, o pai é a constante, como se antes dele nada tivesse, para
ti, importância suficiente para ser contado: sei de cor como se conheceram,
como se apaixonaram, e conheço as vossas juras de amor quase tão bem como as que
também eu própria hoje faço com aquele que também espero ser o homem dos meus
sonhos.
Deste-me à
luz, e, uns anos mais tarde, à Carolina. Lembro-me de ser pequena e de olhar
para cima e ver o teu rosto, sempre tão cuidado e iluminado, como se me
teres ao teu colo fosse uma bênção. Enganaste-te, mãe, bênção foi ter-te
como mãe, e ter sido concebida nesse ventre que foi tão acarinhado durante
meses e meses pelo pai. Lembro-me de me fazeres crer, tal como o pai
sempre fizera, que se acreditasse com muita força nos meus sonhos eles se
concretizariam. E tenho um número infindável de memórias tuas, contigo, ao teu
lado, que não trocava por nada deste Mundo.
Quando escrevi
o prefácio do "Madalena", e procurava as palavras certas para
homenagear o pai, disseste-me que escrevesse que tinha um caráter imensurável.
Escrevi-o, pois não há palavra do dicionário que melhor adjetive aquilo que era
e é, e, hoje, digo-te que também tu tens essa qualidade. Porque sempre
foste a nossa melhor amiga, minha, da Carolina e do pai. Porque quiseste ser
minha confidente numa adolescência que nem sempre quis confessar, porque
me apoiaste e me deste a garra necessária para que me sentisse invencível até o
ser efetivamente. Porque sempre nos protegeste, porque sempre nos deste
tudo aquilo que precisávamos, mesmo que isso não significasse tudo aquilo que
queríamos e, acima de tudo, porque sempre foste um exemplo. Tu, o teu amor com
o pai, a família que construíste. És não só aquilo que quero ser, mas aquilo
que tenho de ser: porque a tua inteligência, sentido de humor e sensibilidade
me enchem de orgulho, e porque é esse orgulho que sinto que quero também ver,
um dia, espelhado na alma dos meus. Porque tu sabes, só nós sabemos, o quanto o
teu coração é grande e a força com que amas, e essa força arrebatadora que
supera a distância que não se conta em quilómetros. Porque te ergueste durante
a tempestade, porque pensaste sempre em nós em primeiro lugar, porque nos dizes
tantas vezes estar bem para nos ver bem.
Só te posso
agradecer por seres uma daquelas mulheres que eu, com dezanove anos, ambiciono
e luto por ser. O teu coração é do tamanho do amor que sinto por ti, e por mais
que a vida nos fuja das mãos, e nós sabemos como ela é matreira, estamos
juntos, os quatro, e o pai não podia estar mais descansado, sabendo que deixou
os seus três tesouros juntos, abraçadinhas, tantas vezes na mesma cama ao fim
de semana, a rir e a contar o que aconteceu.
Amo-te muito,
muito, muito! Eu sei que, desde que o pai faleceu, este dia é diferente, mas
queria que soubesses que nem por isso deixarei de te desejar um dia muito
feliz!
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