quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A árvore que não plantei

Num dia como tantos outros decidi cumprir um daqueles que dizem ser os requisitos para uma vida concretizada e plantei uma pequena árvore, que, na altura, não passava disso mesmo: pequena. Quase invisível aos olhos dos distraídos, quase transparente aos olhos dos apressados, decidi plantá-la num sítio que pouco ou nada lhe daria de bom: não a plantei numa floresta, ou num jardim perto de mim, onde a pudesse regar com regularidade. Ao contrário disso, e desprezando os conselhos de todos aqueles que já o haviam feito, plantei-a perto de uma estrada, de uma estrada movimentada, poluída, normalmente cheia de pessoas e de histórias, e de ruído e de pressas, e, acima de tudo, plantei-a longe da minha casa. Deixei-a, literalmente, abandonada a si própria, encarregue de se regar, de se nutrir, de crescer. Fi-lo, não porque não gostava dela, mas sim porque a amava. E amava-a tanto que queria ter a certeza de que não era mais um daqueles amores, daqueles loucos e fogosos, que, por termos sempre connosco, acabamos por deixar de dar valor.
Os dias passaram-se. Sucederam-se com aquela lentidão, por vezes tão lenta que cansa, onde cada coisa que fazemos é mais uma coisa que fazemos. Sucederam-se, também, com uma rapidez inexplicável, como um relâmpago que, por mais que tentemos fotografar, nunca aparecerá no ecrã exatamente como o vimos. E a planta lá ficou... Foi preciso esquecer-me dela, para me lembrar que ela existia. Foi preciso recordá-la, para sentir que a queria. Foi, inclusive, preciso chorar a pensar que já alguém a poderia ter colhido, ou arrancado, ou que até o mau tempo a podia ter destruído, para me consciencializar do quanto a queria proteger, do quanto a queria resguardar de tudo aquilo que a pudesse matar.
Apercebi-me de que, por mais que a desejasse, e achasse que agora, agora sim, poderia tomar conta dela, agora que tinha percebido que havia tempo para a regar, para a fazer crescer, para lhe dar as minhas palavras, mesmo no meio de tanta coisa, de tantas pessoas... Poderia ser tarde. Poderia ser tarde para pegar nela, se é que ela ainda ali estava, à beira daquela estrada movimentada e cheia de gente, tantas vezes vazia, e levá-la para um canteiro, para junto do meu quarto, para dentro da minha vida. Eu sempre a tinha amado, sempre a tinha visto como "minha", como um projeto pessoal, intransmissível e especial. E, mesmo assim, deixei-a sozinha. Deixei-a no meio do tudo e do nada, e só lhe dei valor quando me dei conta de que a poderia perder, de que, aquela vez em que a visitei, e vi que de uma pequena árvore não passava, poderia ter sido a última. 
Ri-me. Sabia a sal. As lágrimas sabiam a sal. Sempre souberam a sal. E porque chorava e me ria ao mesmo tempo? Nenhum de vós adivinha? Voltei a cometer o mesmo erro. Voltei a valorizar quando perdi, a lembrar quando esqueci. Voltei a querer proteger, depois de magoar. E, por mais que volte àquela estrada, e que ao invés de uma pequena planta esteja uma grande árvore, enraizada, feliz, e cheia de cor, de ar, de paixões... Não é a minha árvore. Nada fiz para que ela fosse assim. E eu queria. Queria tê-la ajudado, porque eu sabia que ela queria a minha ajuda. Afinal, fui eu que a havia plantado.



4 comentários:

  1. Tenho seguido todos os teus textos, sempre na esperança de mais uma lição de vida. E sim, os teus textos são lições de vida...Lições que nos fazem crescer e aprender como enfrentar os obstáculos que se recusam a desviar-se do nosso caminho. Decidi, hoje, engolir todo o meu orgulho e, não ficar indiferente, porque é impossível de o ser quando lemos os teus textos. Tens muito talento FRANCISCA e, embora nunca o tenha admitido,senão agora, reconheço-o. Nunca deixes de escrever.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá! Fico muito lisonjeada com as tuas palavras e, principalmente, curiosa... Gostava de saber quem és! Pensa nisso!
      Beijinho.

      Eliminar