terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Melodias

Por mais tempo que passasse, achei que havia coisas que nunca iria conseguir esquecer. Sentia-me presa a histórias, a pequenos barulhos, a lugares, a pessoas que já não conhecia... Os cheiros de antigamente, as vistas longínquas e as vozes do passado impediam-me de sentir o que estava à minha volta. Na maioria das vezes, sentia-me surda, cega e sem nada para dizer que parecesse atual. Muda. Era como que se apenas visitasse este Mundo e vivesse noutro paralelo. Se fechasse os olhos com muita força, estava em casa. Se abrisse as narinas vezes sem conta, uma brisa fresca invadia-me o espírito e, se afastasse o cabelo das orelhas, ouvia o som do mar, o som do céu e o som da terra. Ouvia e via tudo o que queria e mais gostava, tudo ao mesmo tempo, como que uma sinfonia perfeita. Ora era dó, ora era ré. Se se juntassem, era DóRé, e a música não parava de tocar de uma forma fantástica. Via uma floresta exótica, uma praia imensa e, lá ao longe, lá bem ao longe, pequenos barcos navegavam e os aviões, agora silenciosos para não interromper a melodia, desfilavam pelo céu que me cobria. Cheirava tão bem... Era uma mistura de jasmim com água do mar. Sentia-me livre. Não me conseguia lembrar de nada. Era o fim de tudo, e parecia o início de algo. De algo grande, de algo maior. Não podia pedir mais nada. Deixei-me nua naquele sítio que, por mais me interrogue, não sei onde fica. Deixei-me nua e gritei. Gritei muito alto. Falei sobre tudo aquilo que me amedrontava no passado e de todas as raízes que tinha ao antigamente. Gritei o mais alto que consegui e só parei quando senti a última palavra soar. E ecoar. Afinal ali perto também havia montanhas... Caminhei em direção ao cume mais próximo e voei até lá sem asas. Parecia um anjo sereno e belo e, pela primeira vez, sabia que estava em paz. Quando alcancei o ponto mais alto, pousei os meus pés descalços naquele imenso lugar e chorei. Chorei e desabafei horas a fio pois, ali, sentia que alguém me queria ouvir, Aliás, ali, no cimo do Mundo, toda gente me iria ouvir. Só queria que percebessem as correntes que me prendiam ao passado e me desculpassem todas as vezes em que estive ausente. Também queria agradecer ao presente e fazer uma vénia ao futuro, pois, acima de tudo, tinham-me impedido de voltar atrás e tentar mudar algo que já aconteceu e não tem qualquer possibilidade de mudança. Deixei cair a última lágrima. Levantei a cabeça, cortei as asas da imaginação, e, simplesmente, me deixei ir. Não voei, não cai. Fiquei ali. Parada algures, segura, sossegada e serena. Serena como já não estava há muito tempo.

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